quinta-feira, 21 de julho de 2011

Podia ter um docinho

Não tinha beijinho, mas ela nem se dava conta disso ao redor de tanta comida. Vera e as amigas conversavam sobre as mais recentes desaventuras íntimas. A comida parecia ainda mais saborosa. Desde quando uma delas ali se importava com os doces? O almoço era tão prolongado que não fazia falta nenhuma a sobremesa. Vera olhou para as mãos de Priscila e teve uma rápida premonição que as duas camadas de esmaltes não iriam durar mais que três dias. Célia reparou que todos os copos de cerveja tinham marcas de batom rosa, vermelho, coral, pêssego. Paola queria uma brecha para começar um assunto sobre a cotação do dólar.

Célia é psicóloga, tem 653 amigos e amigas no facebook e estava sem companhia para ir ao cinema ver um filme de super herói. O cuidado que teve para não manchar e amarrotar a blusa branca foi em vão. Seu livro predileto é “Quem mexeu no meu queijo?”, a propósito, ela odeia queijo. Depois do almoço foi para o trabalho, depois para a musculação e quando chegou em casa fez uma limpeza na sua bolsa pensando em um capítulo da sua dissertação de mestrado. Ligou o computador e de jeito nenhum, ela pegaria aquele telefone. Se dependesse de mim, jamais. Mas, eu até entendo, ela nasceu sob o signo de peixes.

Assim que ela começou a criar o terceiro ato da sua tragédia-conto-de-fadas foi a hora que eu queria me desligar dela. Ah não, sinto que mais uma linha de proximidade e é a minha vida que se complica. Como é que pode a Cinderela perder os sapatos? Minha filha, se você não sabe andar de salto é melhor calçar outra coisa. E a Célia continuava com os saltos, andando devagar para ninguém escutar o barulho dos seus segredos que a meia noite o travesseiro e o silêncio revelariam. Será que a dor acha o peito de mulher mais quentinho? Não tem outro lugar não? Por que não gruda na roupa para a gente poder lavar e tirar manchas?

Célia desligou o telefone e voltou a escrever, analisando comportamentos, menos o dela, né, fofa! Estava um pouquinho frio, convite para o sono. No entanto, ligou a TV para ver qualquer filme e se distrair. E eu queria tanto que ela tivesse me dado momentos diferentes e profundos para que eu pudesse dizer algo interessante...e, no entanto, acabou adormecendo com o televisor ligado.

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